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domingo, 12 de maio de 2013

MEIO E FIM



Por Juremir Machado da Silva
Correio do Povo – 03.05.2013
juremir@correiodopovo.com.br

Harpagão, personagem de Molière em “O Avarento”, queixa-se: “Maldito dinheiro, como és ruim de guardar”. Alguns têm um desejo frenético de multiplicá-lo. A qualquer custo. Tem gente, por demais apegada ao “desenvolvimento econômico”, que não consegue perceber a evolução dos costumes. A relação entre meio ambiente e empreendimentos de toda a sorte se alterou. Aquilo que era banal – derrubar árvores pelo “bem” da cidade ou instalar um condomínio de luxo quase dentro de um rio ou do mar – já não é mais aceito como progresso. O meio ambiente tornou-se um fim em si. Estão sob fogo cerrado as maneiras honestas ou desonestas de lidar com a natureza.

A Operação Concutare, pelo jeito, veio refrescar a memória dos mais resistentes ao novo quanto aos atalhos. Nessas situações, os suspeitos de corrupção quase sempre descobrem as agruras das prisões, ainda que por pouco tempo, em primeiro lugar. Os corruptores normalmente ficam para depois e, no mais das vezes, perdem a oportunidade de passar algumas noites em lugares emocionantes como o Presídio Central de Porto Alegre. Acontece que os corruptores podem integrar aquele seleto grupo que brada contra a impunidade em certos casos e trata de driblar alei em outros por achar que sonegar impostos é uma obrigação, dado que o Estado gasta mal e devolve pouco, ou que corromper agentes públicos em busca de licenças  ambientais mais expeditas é uma missão a serviço do crescimento por considerarem as preocupações ambientais como devaneios de utopistas desocupados.

A proteção ao meio ambiente tornou-se um dos valores mais caros do nosso tempo. Só a especulação imobiliária, certos políticos, muitos burocratas e uma categoria de empreendedores, desses que adoram falar em vanguarda da retaguarda, comportando-se não como pioneiros do progresso, mas como atrasados do pioneirismo, ainda não notaram a grande transformação no imaginário social. Uma fileira de árvores, mesmo recente, pode valer mais do que uma nova pista para carros. A margem de um curso de água pode ficar muito mais bonita vazia do que cheia de prédios. Viver de frente para um rio pode não significar encher a sua borda de concreto, mas mantê-la limpa, arborizada, segura e livre para passeios e corridas.

O progressista do século XIX e de boa parte do século XX via a natureza como um espaço a preencher e a tornar lucrativo. Quanto mais bela fosse uma paisagem, mais deveria ser transformada pela mão humana nem sempre hábil. É inegável que belas cidades foram construídas. Também é irrefutável que lugares maravilhosos foram destruídos. Chegamos ao limite. A sensibilidade agora é outra. Mas alguns atrasados do pioneirismo resistem. Os mais afoitos nem sempre se constrangem em usar métodos indecorosos para atingir os seus fins ultrapassados.

Os tempos estão mudando. Corruptores e corrompidos já dividem celas. No futuro, serão castigados com aulas de ecologia. Os mais empedernidos, porém, olham os ambientalistas com desdém e chegam a citar outra tirada de Harpagão: “Aquela rebeldia, meu tudo, tenha fé que a de passar-lhe um dia”. Não veem que passou o tempo da dominação implacável da natureza, pois ela se vinga. A natureza dos projetos é que terá de mudar. Que clima!

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